Script = https://s1.trrsf.com/update-1749766507/fe/zaz-ui-t360/_js/transition.min.js
PUBLICIDADE

Joan Baez sobre Estados Unidos com Trump: "Parece um tecido rasgado" 3b405o

Cantora folk e ativista social fala à Rolling Stone sobre motivos pelos quais protestar se tornou "perigoso", por que ainda é essencial marcar presença, e o que sentiu ao ver Um Completo Desconhecido 32n1k

11 jun 2025 - 14h05
Compartilhar
Exibir comentários
Joan Baez em 2024
Joan Baez em 2024
Foto: Noam Galai / Getty Images for Tibet House US / Rolling Stone Brasil

Ao entrar pela entrada arborizada da casa de Joan Baez, no sul de São Francisco, e circular pela propriedade, a primeira coisa que se nota são os retratos gigantes que ela mesma pintou de Volodymyr Zelensky, Martin Luther King Jr., Anthony Fauci, Gandhi e do falecido congressista John Lewis. Durante anos, Baez exibiu dois por vez no jardim da frente, mas agora eles estão encostados de forma melancólica na varanda. 2n4n13

"Logo depois que Trump foi eleito, alguém dedurou para alguém na prefeitura, que perguntou: 'Ela tem permissão para isso?'", conta Baez. "Foi claramente uma coisa de dedo-duro". Enquanto um amigo cortava as pinturas, Baez subiu na casa na árvore do quintal e colocou para tocar, bem alto, gravações da soprano Renée Fleming. "Foi meu jeito de desobediência civil", diz ela com um sorriso maroto. "Só para fazer alguma coisa".

Há décadas sob os holofotes, Baez vem "fazendo alguma coisa" em nome da música, da justiça social e dos direitos civis. Já foi exaltada, condenada (às vezes até pela esquerda), ridicularizada, ignorada, reverenciada — e, ocasionalmente, redescoberta. Essa parte de sua vida parecia estar chegando ao fim há seis anos, quando Baez encerrou uma turnê de despedida que, segundo ela, foi realmente definitiva.

Naquele momento, Baez, agora com 84 anos, entrou no que deveriam ser seus anos de descanso, dedicando-se à pintura e à poesia, dançando diariamente pelo terreno ao som dos Gipsy Kings e curtindo sua casa espaçosa, excêntrica e charmosa, onde vive há 55 anos. Atualmente, o lugar abriga 13 galinhas que circulam livremente, lhe dão ovos frescos e, de vez em quando, entram na cozinha para bicar a comida dos gatos. "Agora eu também posso pintar as unhas", diz Baez, balançando a mão para mostrar as unhas azul-aquáticas.

Mas, como mostra o burburinho em torno de seus retratos de ativistas e figuras públicas, Baez continua sendo puxada de volta aos holofotes. Começando pelo filme biográfico de Bob Dylan, Um Completo Desconhecido (2024), que reacendeu os holofotes sobre sua relação intensa e já distante com Dylan (interpretado por Timothée Chalamet). A performance bastante fiel de Monica Barbaro a apresentou — com sua música e imagem de "Madona do folk" — a uma geração nascida décadas depois. E então, mais uma vez, há Trump. 

Quando Rolling Stone visitou Baez pela última vez, ele havia acabado de ser eleito presidente pela primeira vez. Agora, de volta à Casa Branca, mais perturbador e alarmante do que antes, Trump levou Baez novamente às ruas em protestos. Ela também lançou uma nova canção de protesto, "One in a Million", com a veterana Janis Ian. Baez está ainda ajudando a criar o nome de uma nova organização da qual fará parte, que dará e a famílias de imigrantes cujos provedores foram presos por agentes da ICE (Imigração dos EUA).

Além disso, continua postando mensagens de sabedoria em suas redes sociais, como no Facebook. Ao observar um filhote de pássaro recém-nascido na entrada de sua casa, escreveu: "A beleza dela, por si só, nos oferecerá esperança na escuridão e nos livrará de todo o mal".

Mas, como a própria Baez ite — tanto em sua casa quanto em uma entrevista complementar —, ela também está entrando em um mundo novo e desafiador. Preparando uma nova cafeteira, vestindo uma blusa de gola alta preta e com os cabelos prateados em um corte bob, Baez se acomoda à mesa da cozinha. "Este é um momento interessante", diz ela, "porque nunca estive aqui antes".

Rolling Stone: Quando conversamos aqui pela última vez, foi logo após a eleição de Donald Trump em 2016. Quem diria que estaríamos aqui de novo?

Joan Baez: Me pegou totalmente de surpresa. Ninguém poderia ter imaginado isso. Ninguém poderia prever que isso ia se transformar no que se transformou, porque esse tipo de coisa acontece em outros países — os chamados "países de merd@". Mas este país está virando um "país de merd@" por causa deles. Está fazendo todas as coisas perversas que esses países fazem. Por outro lado, todos nós meio que sabíamos que a Heritage Foundation estava trabalhando silenciosamente, fazendo planos, e simplesmente não estávamos preparados.

RS: Onde você estava na noite da eleição quando soube do resultado?

JB: Ah, aqui mesmo. Eu nem ouvi o resultado — vi a expressão do meu vizinho. Eu soube na hora que era um desastre. Mas a verdade é que isso vem sendo preparado há 50 anos. Nem é sobre o Trump, na verdade. Ele acabou sendo esse tipo de bruxo — um ser humano repulsivo — que dá às pessoas a permissão para agir como ele age.

RS: Há algo em particular que essa istração tenha feito que realmente te chocou?

JB: Nos primeiros 100 dias, mandando pessoas assim [estala os dedos] para prisões conhecidas por tortura. Todo o trabalho que fiz no Chile, na Argentina, no Brasil e no Bloco do Leste… é o mesmo mecanismo, com toda a crueldade e os os rumo a uma ditadura.

Estou preocupada com a velocidade com que estão fazendo isso e para onde estão indo, e com a crueldade horrível que acontece todos os dias. Agradeci muito ao Bruce Springsteen por repetir: "Está acontecendo agora" [durante seus shows no Reino Unido]. Porque a gente tende a pensar: "Ah, vão ser quatro anos difíceis". Não, é agora.

RS: Com que frequência você assiste às notícias?

JB: Quando me aposentei das turnês, pensei: "Vou assistir de vez em quando". Mas não era desse jeito. Então eu doso. Leio textos no Substack e assisto ao Stephen Colbert, Jon Stewart e John Oliver. E aí coloco um filme como Crepúsculo. Péssimo. Mas é maravilhoso assistir. Não tem nada a ver com porr@ nenhuma.

RS: Você toma algum—

JB: Drogas? [Ri.]

RS: Bem, isso também — mas você encontra algum consolo na resistência que o Trump tem recebido dos tribunais?

JB: Tem que encontrar algum consolo nisso, sim. Minha linda neta, Jasmine, é cantora e compositora, mas decidiu que queria ser advogada. Vai começar a faculdade de Direito em agosto, e eu penso: "Que momento pra isso!" Ela quer ser advogada constitucionalista. Mas é provável que a gente nem tenha mais uma porr@ de Constituição. Então, o que posso fazer com meu filho e minha neta é atravessar isso dia após dia, e encorajar ela a continuar no caminho que escolheu.

RS: Estava ouvindo sua apresentação em Woodstock, quando você contou à plateia que agentes federais foram até sua casa e a do seu ex-marido e ativista David Harris para prendê-lo por se recusar a se alistar no exército. Vocês até fizeram uma festa de despedida. Alguma coisa acontecendo agora te lembra aquele momento?

JB: Sabe, é tão diferente hoje que nem consigo fazer essa ligação. As pessoas perguntam: "Isso é como os anos 1960?" Eu digo que os anos 1960 foram uma festa no jardim. Para algumas pessoas, não foi. Algumas realmente se machucaram. Mas o que está acontecendo agora é uma máquina.

RS: No seu segundo livro de memórias, você escreveu sobre o impacto de ouvir Martin Luther King falar. Existe alguém hoje em dia que te inspire da mesma forma?

JB: O reverendo William Barber veio jantar aqui outro dia; ele é um amigo. Ele tem o espírito de Deus dentro dele e está determinado a espalhá-lo. Estamos diante de uma avalanche, e você tem que se levantar — como ele fez ao entrar na rotunda do Capitólio outro dia e ser preso. Ele estava orando lá, e simplesmente disse: "Eu tinha que fazer isso".

RS: E a Alexandria Ocasio-Cortez?

JB: Ela é boa. Inteligente. E acho que ela provavelmente se expôs bastante, mas se expor hoje em dia… Eu costumava dizer às pessoas: "Venham com a gente. A gente é preso, acontece". Mas agora é tão perigoso. Correr risco hoje pode ser simplesmente ficar parado numa esquina com uma camiseta dizendo "Sou imigrante ilegal". Nunca senti esse tipo de medo. Eu não tinha medo quando fui presa naquela época. Já estive em lugares onde deveria ter sentido medo: Vietnã, o Sul dos EUA, Ku Klux Klan.

RS: Por que você não sentia medo naquela época?

JB: Negação e a necessidade de seguir em frente, que eram mais fortes do que a preocupação. Às vezes eu sentia medo, sim, mas coragem é uma coisa curiosa. Não é porque alguém nasce corajoso — é porque você está disposto a fazer as coisas mesmo com medo. Para você ter uma ideia de como posso ficar sombria hoje em dia, minha piada mais escura é: "A boa notícia sobre a crise climática é que, se ela nos atingir primeiro, o Trump não vai ter tempo de construir seus campos da morte". Aí você ri… exceto que ele vai. Ele está se movendo tão rápido que minha piada nem é mais engraçada.

RS: Uma das preocupações agora é que qualquer protesto possa levar Trump a enviar os militares e declarar lei marcial.

JB: Ele está louco por uma oportunidade dessas. Nada facilitaria mais as coisas para eles, porque a gente não tem como competir. Qualquer um que ache seriamente que pode provocar mudança social com violência é muito ingênuo. Não — você é esmagado.

[Nota do editor: Esta entrevista foi feita antes dos protestos em andamento em Los Angeles.]

RS: Você já teve momentos em que pensou que tudo pelo que você e outros lutaram nos anos 1960 foi desmontado?

JB: Não o muito tempo me preocupando com o fato de que as coisas estão retrocedendo. As coisas nunca ficam exatamente onde você quer. O governo do Havel, o Mandela — são pessoas incríveis, que fizeram coisas incríveis, e isso às vezes dura um bom tempo, e aí vem alguém e estraga tudo.

Temos que lembrar o que está costurado no tecido dos Estados Unidos. Fico pensando nos negros e brancos sentados juntos no balcão de uma lanchonete no Mississippi. Aquilo foram atos de coragem enormes, e mudaram as coisas. É esse tipo de compromisso que precisamos agora. Então, no meio de tudo isso, parece que o tecido foi rasgado.

RS: Talvez haja um movimento de pêndulo na direção oposta, como aconteceu com Reagan depois de Carter, ou com Trump depois de Obama.

JB: [Solenemente] Isso é diferente. Não sei como a gente compensa o que já foi feito.

RS: Você cantou em alguns protestos anti-Trump e a favor da democracia. Como foi voltar a se apresentar?

JB: Tenho um registro mais grave que eu me recusava a aceitar porque não podia mais ser a famosa soprano. Então, parei de cantar. Mas em algum lugar ali ainda existe a voz. Mergulhei nesse registro mais baixo e encontrei as músicas que funcionam com ele.

RS: Quais músicas você ainda consegue cantar?

JB: Consigo adaptar algumas coisas, como "Imagine" e todas as músicas do movimento dos direitos civis. "We Shall Overcome" é uma música linda, mas nos leva muito para trás. Precisa haver algo mais atual do que isso.

RS: Hoje em dia realmente não se ouvem muitas músicas de protesto novas.

JB: Eu não gostaria de fazer parte de um movimento sem música, mas você tem razão. O que a gente precisa é de um hino — mas é impossível compor um hino. "One in a Million" chega mais perto, mas você não consegue tirar isso do nada. Tem que vir de outro lugar. "Imagine" ainda é tão linda. As músicas do Dylan ainda são conhecidas no mundo todo, mas não têm o mesmo impacto para mim que "We Shall Overcome". Lá atrás, eu já tinha consciência de que não iríamos superar tudo e alcançar a paz mundial. Agora, então, menos ainda.

RS: Na sua coletânea de poemas When You See My Mother, Ask Her to Dance, você escreveu, num texto sobre o Dylan: "Quem está escrevendo esse tipo de coisa hoje, Senhor Criador?"

JB: Pedi para o Josh Ritter compor uma música, e ele compôs uma chamada "I Carry the Flame", que chega mais perto de uma canção de marcha, no estilo Pete Seeger. Cantei um pouco dela na manifestação do 1º de maio [em Mountain View, Califórnia]. Mas precisamos de mais músicas assim — e de "One in a Million", da Janis.

RS: Você já ouviu o Jesse Welles, o trovador do sul dos EUA com posições políticas fortes?

JB: O jovem, né? Sim, simplesmente incrível. Aquilo vai dar em alguma coisa. Temos que canalizar a energia desse garotinho. Quantos anos ele tem?

RS: Ele tem 30 anos. O que te impressiona nas músicas dele?

JB: É autêntico. Sai naturalmente. Ele está canalizando esse tipo de coisa. Simplesmente a por você. Pelo menos foi isso que vi.

RS: Você acompanha as cantoras e compositoras modernas?

JB: Escuto o que minha neta me manda. Acabei gostando bastante da Lana Del Rey. Também gostei da Chappell Roan. Quando meu filho Gabe, a Jasmine e eu estamos juntos, a gente toca Lana e Hozier no repeteco durante as longas viagens pela costa. Sou amiga da Lana. Ah, e não esqueça de mencionar meu crush no Hozier. "Take me to church" com esse bad boy.

RS: Como você conheceu a Lana?

JB: Do nada, ela me perguntou se eu queria cantar no show dela no Greek Theatre. Eu pensei: "De onde diabos isso saiu?" Não fazia ideia. Brinquei com ela: "Seu público é todo de adolescentes de 16 anos. Eles não me conhecem". Ela disse: "Pois deveriam". É um risco para uma compositora jovem, porque se ela diz "Ta da — Joan Baez!", um terço do público nem vai entender do que ela está falando. Mas elas assumem esse risco mesmo assim. A Taylor [Swift, que convidou Baez para o palco em 2015] fez o mesmo. Alguns da geração da Lana me chamaram de "badass", o que achei fantástico. Ela é uma mulher interessante. Um pouco de outro planeta, mas eu iro ela, a pessoa e a música.

RS: Qual a história por trás da menção sua na música "Dance Till We Die", da Lana, quando ela canta "I'm coverin' Joni and dancin' with Joan"?

JB: Ela veio ar um tempo comigo, jantamos e depois fomos para um clube senegalês em São Francisco onde eu danço há anos. Ela não dançou, quem dançou foi a irmã dela. Ela era muito tímida, de certa forma. Eu dancei por ela. Ela me deu um colar lindo, uma correntinha dourada com "Joanie" gravado.

RS: Alguns anos atrás houve uma pequena polêmica sobre "The Night They Drove Old Dixie Down", a música de Robbie Robertson que foi um dos seus maiores sucessos. Como a canção é narrada por um sulista branco durante a Guerra Civil, algumas pessoas questionaram se ela deveria ser reescrita ou cancelada. O que você achou disso?

Estava pensando nisso hoje de manhã, quando toquei "One in a Million" para minha amiga diretora Karen O'Connor. Ela disse: "Deixa eu ouvir a letra de novo". Eu pensei: "Jesus, eu nem presto atenção na letra das músicas". É uma questão de sentimento, e o sentimento com "Dixie" era o mesmo. Eu não sabia exatamente o que dizia, só achava maravilhosa. É como quando canto em línguas estrangeiras: depois que decoro as sílabas, nem sei o que estou dizendo, e isso não importa.

"Dixie" não estava em alta, mas se alguém quisesse ouvir e eu quisesse cantar, eu cantaria. Eu aprendi a ser politicamente correta na hora certa [sorri]. Sabia que alguém ia pegar no pé disso, mas quem se importa? Quem liga? Música maravilhosa.

Falando em cantores de protesto, quando você ouviu falar pela primeira vez do filme Um Completo Desconhecido?

Ouvi muitos comentários sobre ele. No começo, pensei: "Não sei o que isso vai ser, se vai ser algo bem feito ou uma bobagem". Mas, à medida que foi evoluindo, percebi: "As pessoas estão levando isso a sério. Vai ser um filme de verdade".

RS: Alguém do filme ou da equipe do Dylan entrou em contato, já que você é uma personagem na história?

JB: Você está brincando? Eu que entrei em contato com eles, com os atores: "Eles gostariam de conversar comigo?" Então Monica ligou, e depois Ed Norton também. Ambos tiveram conversas longas comigo. Monica disse: "Se você gostar, me conta. Mas se não gostar, não me conta". Eu respondi: "Olha, se não gostarmos, vamos jogar pipoca na tela — mas acho que vamos gostar".

RS: Então o próprio Dylan não te procurou?

Ah, por favor. Você já trabalha na Rolling Stone há tempo suficiente para saber a resposta. [Imita a voz do Dylan] "Ei, Joanie, adivinha só, estamos fazendo isso". Pergunta boba.

Quando você assistiu ao filme?

Não fui no Natal [quando estreou]. Mas fui naquela semana, com meu grupo de mulheres que começou com a minha mãe. [O pessoal do filme] me perguntou se eu queria ver numa sessão privada. Eu disse que não.

RS: Como foi a experiência de ver o filme pela primeira vez?

JB: As pessoas do meu círculo ficaram indignadas, checando fatos. E eu disse: "Deixem disso". É um filme divertido. Captaram bem o clima do Village — embora eu nunca tenha morado no Village. Só fiquei lá por um curto período com o Bob. E não foi no Chelsea Hotel, foi no Earle. Mas são detalhes, detalhes, entende? Alguém me perguntou: "Você realmente fez isso com o Bob?" [Mostra o dedo do meio.] E eu respondi: "Não, fiz isso". [Mostra os dois dedos do meio.] Mas, fiquei satisfeita por acertarem o clima. A música estava brilhante. Chalamet mandou bem. Estava um pouco limpinho demais. Eu podia ter avisado ele disso.

RS: Quer dizer que, na versão dele, o Bob não parecia sujo o suficiente?

JB: Exatamente. Mas, convenhamos, isso fazia parte do charme. O "fenômeno sem banho".

RS: O que eles acertaram sobre o Bob?

JB: Ah, muita coisa. Os gestos, o jeito de falar, até algumas formas de cantar. A atitude. Quero dizer… uma atitude ruim, mesmo.

RS: Como você achou a representação da sua personagem no filme?

JB: Algumas cenas de costas da Monica e do Dylan eram assustadoramente parecidas comigo. Disseram que a voz dela também ficou bem parecida. Ela trabalhou duro para acertar. Ela até pegou esse meu gesto [mexe os dedos nervosamente] — tipo um tique. Eu a encontrei numa coletiva e liguei perguntando: "Esse tique é seu ou você pegou de mim?" E ela respondeu que pegou de tanto me observar.

RS: Chalamet parece ter captado os gestos inquietos do Dylan, né?

JB: [Assente, e dobra o polegar para trás.] O Bob tem um polegar que entorta assim. Nem todo mundo consegue fazer isso. Alguém me disse que quem tem o polegar assim é assassino [risos].

RS: O filme também insinua um triângulo entre você, o Bob e a Suze Rotolo, mas historicamente isso não bate muito bem.

JB: Olha, se aconteceu, não foi na minha cara. Eu achava que tinha vindo depois da Suze, mas nem sei ao certo. Nunca perguntei. Política do "não pergunte, não conte". Pelo que ouvi, não fizeram justiça à história da Suze. Mas gostei que colocaram Bobby Neuwirth. E o engraçado do [Albert] Grossman — o ator [Dan Fogler] estava igual a ele.

RS: Mais de 60 anos depois, o que você acha que ainda fascina as pessoas sobre você e Bob?

JB: Se você me procurar no Google, aparece uma coisa sobre mim e, logo em seguida, já vem "Joan Baez e Bob Dylan". Mas tive um presente maravilhoso outro dia. Uma moça de 23 anos, assistente numa clínica onde fui, estava me descobrindo. Ela disse: "Você é famosa!" Eu disse: "Meh... Me procura no Google". Aí ela viu uma foto do Dylan e perguntou: "Quem é esse cara?" E eu pensei: "Obrigada!" Depois resolvi explicar. Estar em qualquer lugar com o Bob sempre te diminui um pouco. Mas, honestamente, há pessoas piores para ficar colada a vida inteira.

RS: Você mencionou que escreveu uma carta para Dylan expressando seus sentimentos, sem deixar forma de resposta. Por quê?

JB: Faz uns 10 anos. Eu estava pintando um retrato dele no meu estúdio — ele bem jovem, com uns 21 anos. Coloquei um disco dele e comecei a chorar. Chorei sem parar, pintando, e foi como lavar tudo aquilo. E acabou. Sem mais ressentimentos. Fiquei grata por ele ter feito parte da minha vida, por ter cantado suas músicas, por ter tido aquela voz. A gratidão substituiu a mágoa, a frustração e as besteiras.

RS: O que dizia a carta?

JB: Basicamente o que acabei de te contar. Simples assim.

RS: Na nossa entrevista de 2017, você disse que seu nome foi uma espécie de "maldição" nos anos 1980, quando ninguém queria te gravar.

JB: É verdade. Se a gente tivesse feito uma demo e dissesse "compositora jovem", talvez tivessem nos ouvido com mais atenção. Nesse sentido, ser uma lenda me atrapalhou, porque eu não era mais atual.

RS: Você acha que o filme pode mudar essa percepção e te apresentar para uma nova geração?

JB: Espero que sim. Não fico muito focada nisso, mas sei que ele trouxe uma visibilidade que não existia há um tempo.

RS: Já se aram seis anos desde o fim da sua turnê de despedida. Algum arrependimento?

JB: Nenhum. Eu não sabia o que esperar, porque todo mundo fala: "Assim que você para, eles continuam". O Elton [John] me disse: "Mal posso esperar pra ficar com meus filhos". E agora está na estrada de novo… Eu mesma fui assistir um show logo depois de parar e pensei: "Vai ser um bom teste". E não senti falta, nem um pouco. Era a hora certa. Foram 10 noites no Olympia — melhor parar por cima. Não quero voltar para fazer 20 [risos].

RS: Você também falou publicamente no documentário I Am a Noise sobre abuso sexual que você e sua irmã Mimi sofreram do seu pai. Por que decidiu contar?

JB: Foi um conjunto de fatores. Eu estava com 79 anos quando começamos o filme. Achei que estava na hora de deixar um legado honesto — nada de tentar parecer mais bonita ou mais perfeita do que sou. É uma vida bem vivida. E é interessante ver quantas pessoas responderam a isso. Assim como o Trump "autoriza" pessoas a serem porcos, essa revelação talvez autorize outras pessoas a olharem pro próprio ado, onde antes não tinham coragem de olhar. Uma mulher veio até mim e disse que a mãe dela, com mais de 70 anos, chorou muito e revelou coisas que nunca tinha contado. A Karen [O'Connor, diretora do filme] dizia: "Todo mundo tem alguma coisa". Se isso ajudar alguém a identificar a sua, ou a se permitir falar… já valeu.

RS: O que você pessoalmente ganhou ao tornar isso público?

JB: De certa forma, foi um alívio, porque ei grande parte da vida com as pessoas achando: "Ah, ela é tão calma, tão pacífica". E não! Foi útil para eu mostrar que tenho alguma noção das batalhas que enfrentei e de como sou completamente imperfeita em todos os sentidos.

RS: As pessoas realmente te veem como imperturbável.

JB: Eu mesma faço um bom trabalho em me perturbar.

RS: O filme também explorou seu relacionamento com outra mulher, Kim Chappell, nos anos 60.

JB: Ninguém deu atenção a isso [no filme]. É coisa velha. Na época, com certeza não íamos dizer nada. Achávamos que estávamos conseguindo esconder tudo aquilo. Agora, a Jasmine tem uma amiga que acabou de se assumir bissexual, e todo mundo faz festa. Quando Kim e eu estávamos juntas, não se falava disso, mas hoje é quase o contrário. Você a a fazer parte de clubes ou do movimento LGBTQ e dos direitos das mulheres. Agora é tipo marcar pontos.

RS: Com o governo Trump avançando, como você vê seu papel no ativismo?

JB: Acho que minha vida será definida de novo pelo estado deste país no mundo. Tenho incentivado as pessoas a não ficarem paradas. Elas têm que fazer alguma coisa. Que tal aparecer com um amigo numa esquina usando uma camiseta dizendo "Sou um imigrante ilegal"? Não espere 30 mil pessoas aparecerem.

Mas vou te contar meu dilema. Antigamente, quando fui presa brevemente, te davam seus remédios, deixavam você fazer ligações. Não era uma prisão pesada, só uma detenção. Hoje, se eu me colocar numa posição de desobediência civil, tenho um problema em encorajar os outros se eu mesma não for para a cadeia com eles. Como a maioria das pessoas da minha idade, eu seria inútil sem a medicação que tomo regularmente.

RS: Qual o conselho que normalmente te pedem?

É universal: "O que eu posso fazer?" Minha resposta é: encontre algo que te chame, que não seja em grande escala. Da próxima vez que você se ouvir dizendo: "Estou sobrecarregado", complete com "e". "Estou sobrecarregado, e preciso fazer algo". Até "Estou morrendo de medo, e vou tomar uma margarita".

Haverá pequenas vitórias — se agarre a elas, continue fazendo, e veremos o que acontece. Eu realmente sou uma defensora do "continue fazendo" sem esperar mudar o mundo. Apenas mostre sua cara agora. Levante-se. Apareça.

Divertir-se virou um ato de resistência. A ação é o antídoto para o desespero. Estamos supostamente encolhidos de medo. Fui à formatura da minha neta em Miami e acabei dançando com drag queens. Pensei: "Ok, é assim que a gente faz". Você enlouquece. Bebe bastante. Fui a um strip club. Essa foi a minha declaração da semana. Dançar com uma grande, lasciva drag queen e postar. É uma encrenca boa dançar com drag queens, porque eles querem acabar com as cenas drag. Tenho certeza de que [Trump] gostaria de acabar comigo também, mas espero ter merecido isso se chegar a esse ponto.

+++ LEIA MAIS: Doechii critica repressão de Trump a protestos em L.A. ao receber BET Award

+++ LEIA MAIS: Billie Joe Armstrong manda o ICE 'se f-der' em apoio aos manifestantes de LA

+++ LEIA MAIS: Bono apoia Bruce Springsteen em polêmica com Trump: 'Só existe um chefe na América'

Rolling Stone Brasil Rolling Stone Brasil
Compartilhar
Publicidade
Seu Terra












Publicidade